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Amar até…

Participantes do Movimento dos Focolares relatam experiências da vida em comunidade. Leia e conheça um pouco mais sobre a realidade do Movimento no Brasil.

Amar até à merda

(Talvez você não goste desse título, mas, acredite, é o melhor resumo desta história!)

Minha mulher foi passar o fim de semana com a mãe dela, logo quando haveria festa junina na paróquia. Como ela gosta muito de bolo de aipim, fui à tarde à festa para comprar essa iguaria e fazer um pequeno ato de amor pra ela. 

Quando cheguei na esquina da igreja, um senhor vestindo camiseta e bermuda, encostado, quase sentado, na mureta do local, me pediu alguma coisa. Pensei que fosse dinheiro e já ia dizendo um “não tenho”, mas ele insistiu. Entendi que ele queria ajuda para se levantar. Peguei o homem pela mão, ele ficou de pé. Então ficou evidente que ele tinha alguns movimentos limitados: andava com dificuldade e movia pouco os braços e as mãos. Quase chorando, ele se queixou de que estava com fome. Prometi que iria lhe trazer alguma coisa da festa junina. 

Comprei uma torta salgada e um mate, como ele havia sugerido – e não encontrei o bolo de aipim para minha mulher… Quando voltei, o senhor não estava mais na esquina. Vi que ele havia atravessado a rua e estava na praça. Percebi que, para mim, ele era Jesus, e eu não queria desistir dele. Fui atrás.  

Quando o encontrei e entreguei o lanche, ele nem deu bola. Ficou se lamentando:  

– Eu me sujei todo! Que vergonha! Preciso de uma bermuda nova! 

De fato, ele devia ter tido uma diarreia, e dava para ver a perna suja. Num primeiro momento, tentei tranquilizá-lo e disse que o melhor a fazer seria tentar limpá-lo. Atravessei a rua, fui a uma lanchonete pedir papel-toalha, o atendente disse que não tinha. Peguei papel fininho da guardanapeira e levei para ele se limpar, mas logo notei que, devido a suas limitações físicas, ele não conseguiria fazer isso. Então, eu mesmo limpei o tornozelo dele, onde a merda estava mais evidente.  

Ele insistiu que precisava de outra bermuda, mas onde conseguir? Meu prédio ficava a quinhentos metros dali, e ele andava com dificuldade… Pensei, então, na igreja, que estava bem na frente, e que costuma arrecadar roupas para necessitados (eu mesmo já levei várias vezes para lá), as quais são deixadas nos contêineres que ficam na frente da secretaria. Além disso, ele poderia usar também o banheiro para trocar de roupa. Melhor ainda: nesse horário, não havia missa e a secretaria estava vazia.   

– Moça, estou com um morador de rua aí fora que se sujou todo… Você não teria, primeiro, uma bermuda para ele, das roupas que foram doadas? E, segundo, ele poderia usar o banheiro para se trocar? – perguntei.

As respostas foram imediatas e diretas: 

– As roupas arrecadadas são para o brechó, que funciona na quarta-feira, e o banheiro só abre na hora da missa.  

Lembrei do Joãozinho (“Mas os seus não o receberam…”), e com isso percebi que o negócio era comigo mesmo. Chamei o senhor e o convidei para ir para meu prédio. 

No caminho, tentei conversar com ele um pouco: soube seu nome, sua idade (64 anos) e que ele morava na rua, mesmo, ou dormia numa pensão, quando tinha algum dinheiro. Mas, à medida que a gente seguia, percebi que alguma coisa não ia bem… Ele estava literalmente cagando e andando. A diarreia continuava! Com isso, ele caminhava ainda mais devagar e se lamentava: “Que humilhação!” Peguei o celular e liguei para o SAMU, mas ele não gostou, reclamou e insistiu que só precisava de uma bermuda. Então, pedi a ele que esperasse um pouco. “Não me abandone!”, ele pediu. “Calma, não vou te abandonar”. Apertei o passo, fui até meu apê, peguei uma bermuda e mais um sabonete e alguns lenços umedecidos.  

Confesso que pensei em levar o senhor até o prédio, mas fiquei pensando no que diriam o porteiro (que provavelmente não gostaria de vê-lo no banheiro da portaria, que é usado pelo pessoal em serviço) e, sobretudo, minha mulher, se soubesse depois que eu teria levado alguém nesse estado para casa…   

Voltei rapidinho e encontrei o senhor… todo cagado! Ele se recostou no canteiro de uma árvore e, quando levantou, deixou cair toda a sujeira pelas pernas. Lembrei, então, de uma experiência semelhante, narrada pelo papa Francisco, em que ele fazia questão de destacar: “O homem fedia…”. 

Mostrei a bermuda para ele, que, logicamente, perguntou: “Como vou trocar de bermuda aqui?”. Sugeri que fôssemos juntos ao metrô, que fica na praça da igreja. Mas, então, um outro homem, morador do condomínio em frente, que estava saindo para levar seu cãozinho para passear, viu o que acontecia e nos disse: “Vamos tentar usar o banheiro daquele bar na esquina”. Ele atravessou a rua e entrou no bar. Eu fiquei esperando com o senhor, que reclamava:  

– Por que tá demorando tanto? É sim ou não! Não tem que esperar tanto! Eles não vão deixar…                                                                                                                        

Eu tentei tranquilizá-lo (se é que isso seria possível…) e pedi para ele aguardar e se acalmar.                                                                                                                   

Milagrosamente, eu acho, o homem nos chamou. Entramos. A moça do bar nos recebeu e indicou o banheiro. Meu amigo logo perguntou: “Como é que eu vou tirar essa bermuda?” Eu, então, desapertei o cinto dele. A bermuda já estava caindo. Ele pediu para eu recolher o dinheiro que havia nos vários bolsos – já sujos, é claro. Um homem que, penso, era o dono ou o gerente do bar, falou alto pra gente: “Vai ficar um peladão aí com o salão todo cheio?”                                                                                        

O banheiro, na verdade, era um reservado de dois metros quadrados que só tinha um vaso – nem pia tinha. O meu amigo entrou ali e ficou parado, em pé. Não conseguia fazer nada. Não tinha capacidade motora nem espaço para qualquer coisa. Dessa vez, eu lembrei do velho e sábio Pe. Germano: “Tem que amar até depois da vírgula…” – ou, no caso, até à merda… Me espremi, entrei no reservado e comecei a tirar a bermuda dele. As sandálias não ajudavam muito, mas ele conseguia pelo menos levantar os pés. Em seguida, com os lenços umedecidos, tentei limpar as pernas dele. Depois, consegui colocar a nova bermuda nele. E, por fim, o cinto, que tinha ficado da bermuda antiga, necessário para apertar a bermuda em um corpo tão magro.                  

Saímos do reservado. Eu estava com as mãos sujas, mas não via onde lavá-las. Assim mesmo, entreguei ao meu amigo a sacola com o sabonete, os lenços que sobraram e a comida que eu havia comprado na festa junina. Ele saiu do bar meio aturdido, perguntou “para que lado é o metrô?” e me disse:                                           

– Muito obrigado por cuidar de mim. Deus abençoe o senhor e a sua família.                

Voltei direto para casa. Eu sentia que, nessa uma hora de “aventura”, tinha “rezado” a melhor missa que poderia querer naquele domingo. Talvez não por coincidência, o Evangelho do dia era o do bom samaritano. Essa foi uma das poucas vezes em que me senti realmente vivendo o Evangelho ao pé da letra.

Airam Lima – Rio de Janeiro/RJ

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