“Pela primeira vez diante da “Evangelii gaudium”, eu não tinha a impressão de ler um texto que deveria ser estudado, aprofundado, mas sobretudo de escutar uma voz. A voz de uma pessoa que se coloca ao teu lado, te diz quais são as exigências do homem, quais são as necessidades do mundo de hoje e como nós, Igreja, podemos ajudar o mundo”.
Maria Voce, presidente do Movimento dos Focolares, não hesita em enquadrar a Exortação Apostólica do Papa Francisco: “É abrangente, – diz nessa entrevista ao jornal Avvenire – considera o cristão como parte do povo de Deus que evangeliza, em todas as suas dimensões”.
O que a senhora pensou quando leu esse texto?
Tive a impressão de um documento fundamental. Participei como ouvinte do Sínodo sobre a nova evangelização e tenho presente os assuntos tratados, os debates, as propostas apresentadas ao Papa… Parece-me que o Papa foi muito mais longe. Não falou somente da Nova Evangelização, mas quis traçar linhas sobre a Igreja de hoje. Do texto não se evidencia a evangelização como o primeiro anúncio, nem mesmo como novo anúncio, no qual no passado a cultura esteve impregnada de cristianismo. Emerge, sobretudo, a evangelização como testemunho de um povo cristão em caminho pelas estradas do mundo. Por isso, eu digo que é um documento totalizante.
Pela primeira vez desde a Gaudium et spes, a palavra “alegria” retorna no título  de um documento magisterial. Em sua opinião o que isso quer significar?
Não se fala da alegria somente no título, mas toda a exortação é permeada por esse sentimento de alegria. Uma alegria que se baseia em realismo e otimismo. Através das expressões usadas pelo Papa, colhe-se claramente uma alegria fundamentada no amor de Deus, do qual somos testemunhas e beneficiários. Seria estranho não ter a alegria se somos amados por um Deus! Ao mesmo tempo, é aquela alegria que justamente nasce pelo fato de sermos amados, toca a cada um de nós, de forma que somos impelidos a amar e a transmiti-la aos outros. Fala-se de alegria sempre: quando se refere à política, distribuição das rendas, ações dirigidas aos pobres, atenção ao meio ambiente, à ecologia.
Quais são as consequências, o que provoca?
Um otimismo que não é banal, mas é seguro e real, porque se baseia em um princípio que transcende nós, homens. E o vemos, por exemplo, quando o Papa trata do tema das relações interpessoais que hoje, com os meios de comunicação, muitas vezes se tornam fragmentárias. Em um certo ponto, ele fala desta “massa caótica que pode se tornar uma experiência de verdadeira fraternidade”. O Papa vê as limitações, as denuncia, mas, ao mesmo tempo, vê todo o positivo que pode acontecer. Existe sempre uma possibilidade mesmo nas coisas que aparentemente podem parecer um distanciar-se de Deus, existe uma possibilidade de aproximar os homens entre eles. E isto significa aproximar cada homem de Deus, porque o ponto de partida é esse: Deus me ama, Deus te ama, e porque te ama continua a agir na tua história, na história dos homens.
 
O Papa escreve que é necessário passar de uma pastoral de simples conservação a uma pastoral decididamente missionária. Qual “mudança de velocidade” gera uma tal perspectiva?
A Igreja é missionária por vontade de Jesus, seu fundador, e, portanto, não é uma novidade que o Papa diga “saiais e ides levar o Evangelho a toda a humanidade, às periferias existenciais”. No entanto, aquilo que me parece não ser uma novidade é que o Papa diga hoje: saiam e ides a levar o Evangelho a toda a humanidade, às periferias existenciais. O que me resulta uma novidade é que o Papa faz ver nisso não tanto um dever, mas o modo de ser mesmo do cristão: porque o cristão faz isso. Coloca em relevo que a missionariedade da Igreja não é somente de alguns, mas de todo o povo cristão. Aquele povo de Deus que é chamado a dilatar sempre mais os seus confins e abraçar todos os homens pelos quais Jesus morreu e ressuscitou. Isso me faz pensar também nos Movimentos, a propósito dos carismas. A um certo ponto, o Papa fala dos carismas, como dons imensos que o Espírito Santo faz à Igreja, e que são tais se colocados a serviço da comunhão eclesial. Papa Francisco reconhece o dom e exorta cada um a viver o próprio dom carismático, portanto, a serem testemunhas do dom recebido e que deve servir para a comunhão entre todos. Ele diz que quando se trata de um verdadeiro carisma, não deve-se temer o carisma dos outros, mas encarar como um motivo somente para louvar a Deus.
É um dos grandes debates que ainda persistem na Igreja.
Algo que me vem em mente, a mim que sou uma focolarina, são as palavas de Chiara Lubich quando dizia: “eu fui criada como dom para quem está ao meu lado, e da mesma forma, quem está ao meu lado foi criado como um dom para mim”. E assim se poderia dizer: o Espírito Santo fez ao Movimento dos Focolares um dom especial, que é o carisma da unidade. O próprio Espírito Santo fez o Movimento dos Focolares. Da mesma forma, o Espírito Santo fez cada Movimento, cada um com um dom específico. O dom feito àquele movimento é feito também para mim; do mesmo modo que o meu movimento é feito como um dom para os outros movimentos. Isso nos coloca na atitude justa de como devemos nos comportar como movimentos na Igreja: estarmos a serviço da fraternidade universal, a serviço da Igreja-comunhão que Jesus quer e que contém todos. Não somente aquele que responde ao chamado de Jesus, mas também os outros por quem o Papa nutre uma atitude de confiança e de respeito. Aliás, falando do diálogo interreligioso, ele diz abertamente que também as formas de oração, de comunhão, de relação com o transcendente presente nas diversas das religiões cristãs podem nos ajudar a viver melhor as nossas formas. É uma abertura tal que permite reconhecer o bem presente nos outros. Não somente os cristãos, mas também nos homens de boa vontade que se empenham juntos conosco pelo bem comum para salvaguardar a criação, a vida, a liberdade, e de todos os valores que reconhecemos juntos.
 
Francisco insiste na necessidade de uma reforma profunda nas estruturas eclesiais, incluindo também a reforma do Papado. No que você vê uma continuidade com Bento XVI e o que se apresenta como uma novidade?
Diz-se que a Igreja deve ser sempre reformada, portanto também as estruturas da Igreja, incluindo o papado. Tenho a impressão de que esse Papa é também prudente em suas intervenções de reforma. A reforma não é uma revolução, nem mesmo uma limpeza geral, é uma mudança na continuidade. Naquilo que o Papa Francisco está fazendo se pode colher a direção dessas reformas. Por exemplo, o fato de ser assessorado por um Conselho de cardeais que não vivem em Roma, mas que moram nos cinco continentes e colocam em comum os próprios pensamentos. Essa é uma mudança nova. Não que em Bento XVI não existisse o desejo de reformas, mas era aconselhado por aqueles que lhe estavam próximos, não por quem vinha de todas as partes do mundo. Podia, sim, pedir conselhos aos outros, porém com essa forma, existe efetivamente uma maior atenção às solicitações que provém das periferias, do povo de Deus, de quem sofre nos pontos mais dispersos da terra por condições de injustiça, de perseguições, por situações difíceis. Existe uma exigência de escutar, de colher quais são as necessidades às quais a Igreja deve responder. E ao mesmo tempo a certeza de que a Igreja responde sempre do mesmo modo, com a Palavra anunciada, vivida, testemunhada.