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NO EVANGELHO de Mateus, o Sermão da Montanha é colocado logo após o início da vida pública de Jesus. A montanha é vista como símbolo de um novo Monte Sinai no qual Cristo, novo Moisés, oferece a sua “lei”. O capítulo anterior fala de grandes multidões que começaram a seguir Jesus e às quais Ele dirigia seus ensinamentos. Ao passo que neste discurso, Jesus fala aos discípulos, à comunidade nascente, àqueles que mais tarde seriam chamados de cristãos. Ele introduz o “Reino dos Céus”, que é o tema central da pregação de Jesus1. As Bem-Aventuranças representam o manifesto programático da sua pregação, a mensagem da salvação, a síntese de toda a Boa Nova, que é a revelação do amor salvífico de Deus2.
“Bem-aventurados os misericordiosos, pois eles alcançarão misericórdia.”
O que é misericórdia? Quem são os misericordiosos? A frase é introduzida pela palavra “bem-aventurado(s)”3, que significa feliz, afortunado, e também assume o significado de ser abençoado por Deus. No texto, entre as nove bem-aventuranças, esta se encontra na posição central. Elas não querem representar comportamentos que serão recompensados, mas são verdadeiras oportunidades de alguém se tornar um pouco mais semelhante a Deus. De modo especial, os misericordiosos são aqueles cujos corações estão cheios de amor por Ele e pelos irmãos e irmãs, um amor concreto que se inclina para os últimos, os esquecidos, os pobres, para aqueles que necessitam desse amor altruísta: com efeito, a Misericórdia é um dos atributos de Deus4; o próprio Jesus é misericórdia.
“Bem-aventurados os misericordiosos, pois eles alcançarão misericórdia.”
As Bem-Aventuranças transformam e revolucionam os princípios mais comuns de nosso modo de pensar. Elas não são apenas palavras de consolação, mas têm o poder de mudar o coração, têm o poder de criar uma nova humanidade, tornam eficaz o anúncio da Palavra. É preciso viver a bem-aventurança da misericórdia também em relação a si mesmo, reconhecer-se necessitado daquele amor extraordinário, superabundante e imenso que Deus reserva para cada um de nós.
A palavra misericórdia5 vem do hebraico rehem, “ventre”, e evoca uma misericórdia divina sem limites, como a compaixão de uma mãe por seu filhinho. É um amor que não mede, mas é abundante, universal, concreto. Um amor que procura suscitar a reciprocidade, objetivo principal da misericórdia. […] Então, se tivermos sofrido uma ofensa, seja ela qual for, uma injustiça de qualquer tipo, perdoemos, e seremos perdoados. Sejamos os primeiros a usar de piedade, a mostrar compaixão! Embora pareça difícil e ousado, perguntemo-nos, diante de cada próximo: como o trataria a mãe dele? Este é um pensamento que nos ajuda a entender e a viver em conformidade com o coração de Deus6.
“Bem-aventurados os misericordiosos, pois eles alcançarão misericórdia.”
Após dois anos de casamento, nossa filha e seu marido decidiram se separar. Nós a recebemos de volta em casa e, nos momentos de tensão, procuramos amá-la sendo pacientes, com o perdão e a compreensão em nossos corações, mantendo uma relação de abertura diante dela e de seu marido, sobretudo procurando não julgar. Após três meses de escuta, de ajuda discreta e de muitas orações, eles voltaram a conviver, com uma nova consciência, confiança e esperança7.
De fato, ser misericordioso é mais do que perdoar. É ter um coração grande, é estar ansioso por apagar tudo, queimar tudo o que possa dificultar o nosso relacionamento com os outros. O convite de Jesus para sermos misericordiosos quer oferecer um modo de nos reaproximarmos do projeto original, de modo que possamos nos tornar aquilo que era o objetivo para o qual fomos criados: sermos imagem e semelhança de Deus.
1) Cf. Mt 4,23 e 5,19-20.
2) LUBICH, Chiara. Um amor materno. Palavra de Vida, novembro de 2000.
3) Em grego: makarios/makarioi, palavra usada tanto para descrever uma situação de sorte, de felicidade dos seres humanos, como para indicar a condição privilegiada dos deuses com relação à dos seres humanos.
4) Em hebraico: hesed, isto é, amor desinteressado e acolhedor, pronto a perdoar.
5) Em hebraico: rahamim.
6) Cit., LUBICH, Chiara. Um amor materno. Palavra de Vida, novembro de 2000.
7) Experiência que se encontra no site
Por Letizia Magri
A autora é especialista em matrimônio e família na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma. Desde março de 2017, escreve a Palavra de Vida como representante de um grupo de membros do Movimento dos Focolares de diferentes idades, culturas e profissões, entre os quais especialistas em exegese bíblica, ecumenismo e comunicação.