Há muito mais pessoas em situação de rua do que vagas em albergues, abrigos ou centros populares. Essa foi a constatação que o jovem Lorenzo Dovera, estudante de Administração Pública e Social, chegou a partir do trabalho de conclusão de curso e que o motivou a sair da teoria e pôr em prática alguma atividade que pudesse auxiliar a reverter esse quadro no município de Porto Alegre (RS).
A ideia de transformar os cartazes “tô com fome, me ajude”, vistos por toda a cidade, em “troque a fome por flor“ surgiu na véspera do Dia das Mães e continua até hoje. Dovera nos conta que, num olhar de cogovernança, queriam iniciar o projeto com instituições que já desenvolvem as ações com essa população. Assim, identificaram no Plano Municipal de Assistência Social da cidade que existiam estratégias para alcançar algumas metas sociais.
Então, começaram a plantar sementes de mudança por meio do contato com a população que acessava: o albergue Dias da Cruz, o Centro Popular II e o pessoal da abordagem de rua AICAS. “Isso foi importante para identificarmos as necessidades daqueles floristas, já que o projeto oportuniza o vínculo”, complementa.
De flor em flor
O projeto funciona em etapas, para que haja a adaptação da equipe de novos floristas. Inicialmente, a pessoa é abordada pelo grupo voluntário que pergunta “você quer vender flores?”. Da resposta positiva já recebem quatro mudas para testar se conseguem vender e a seguir mais oito, para começarem a experiência. Se venderem, devem ajudar com dois reais e depois com quatro reais. Assim são estimulados a venderem e visualizarem o lucro para se alimentarem melhor ou pagarem um hotel que custa R$20,00 a noite.
“No dia seguinte, encontramos essa mesma pessoa, levamos uma caixa com mais oito flores e perguntamos se ela topa vender mais. Começa então a nos passar o valor que puder por muda para ajudar a comprarmos mais flores para outros floristas, e assim vai se criando uma cadeia de solidariedade e consciência do trabalho que realiza”, fala Dovera.
Uma vivência múltipla
Para além da dignidade e do direito ao trabalho, o principal intuito do coletivo é a ideia da geração de renda e do estímulo a uma educação financeira. Hoje, o projeto conta com apoio de floriculturas que buscam mudas de plantas na Ceasa e articulam o Centro de Convivências da população de rua, coordenado pela Associação São João Calábria (ASJC), para selecionarem os floristas que gostariam de participar das atividades.
A comunidade tem auxiliado com caixas de leite higienizadas que servem como cachepôs para as plantas, que serão forradas e decoradas. Recentemente, uma jovem da cidade vizinha soube do projeto e doou cerca de 70 caixas de leite vazias e higienizadas. Já outra jovem que atua no Movimento dos Focolares realizou o evento Songs for Hope, uma live no Instagram para arrecadar dinheiro para a causa. Ao final do evento, haviam arrecadado R$ 300,00, valor suficiente para a compra de dez floreiras para uma semana inteira de vendas!
O jovem afirma que todo o trabalho é feito com a lembrança do ensinamento de Chiara Lubich: tudo singelo e harmonioso para Jesus no outro. “Eu acredito que o amor circula desde a limpeza das caixas, até a venda, passando pelo olhar da população de rua para aquela muda e o olhar de compaixão do comprador àquela pessoa que deseja ajudar”.
“Nossa ideia futura é que todas as pessoas que queiram entrar no nosso coletivo adotem uma pessoa em situação de rua no seu bairro, ou que estejam em o seu trajeto diário (casa, trabalho, escola, academia) perguntando se aceitariam vender flores, tendo uma proximidade e uma relação mais humanizada com essa pessoa que vive nas ruas. Agora queremos firmar mais parcerias com as floriculturas ou diretamente com produtores de mudas para nos ajudar nesse coletivo”, enfatiza Dovera.