Leia a Palavra de Vida setembro de 2022.
A PALAVRA de Vida deste mês se encontra na Primeira Carta de Paulo aos cristãos de Corinto (Grécia). Ele está em Éfeso (antiga cidade grega, na atual Turquia) e por meio dessas palavras procura dar uma série de respostas aos problemas que surgiram na comunidade grega de Corinto, cidade cosmopolita e grande centro comercial, famosa pelo templo de Afrodite, mas também pela proverbial corrupção.
Alguns anos antes, os destinatários da Carta haviam se convertido do paganismo à fé cristã, graças à pregação do apóstolo. Uma das controvérsias que dividia a comunidade era: podemos ou não podemos comer carnes sacrificadas aos ídolos nos ritos pagãos?
Dando relevo à liberdade que temos em Cristo, Paulo introduz uma ampla análise de como se comportar diante de certas escolhas, aprofundando particularmente o conceito de liberdade.
“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.”
Uma vez que os cristãos sabem que “no mundo não existe nenhum ídolo e nenhum deus, a não ser um só” (1Cor 8,4), é claro que se torna indiferente comer ou não comer carnes sacrificadas aos ídolos. Mas o problema surge quando um cristão se encontra na presença dos que ainda não possuem esta compreensão, este conhecimento da fé, e a atitude dele pode, desse modo, escandalizar uma consciência fraca.
Quando o conhecimento e o amor estão em jogo, para Paulo não há dúvida: o discípulo deve escolher o amor, renunciando até mesmo à sua própria liberdade, como fez Cristo, que livremente se tornou servo por amor.
A atenção ao irmão fraco, àquele cuja consciência é frágil e que tem pouco conhecimento das coisas, é fundamental. O objetivo é “ganhar”, no sentido de levar a vida do Evangelho, tão boa e bonita, ao maior número possível de pessoas.
“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.”
Como escreve Chiara Lubich: Se estamos incorporados em Cristo, se somos Ele, ter divisões, pensamentos conflitantes, é dividir Cristo. […] Quando, […] entre os primeiros cristãos, havia o perigo de quebrar a concórdia, eles eram aconselhados a ceder nas próprias ideias, contanto que se mantivesse a caridade. […] O mesmo acontece também hoje: às vezes, mesmo estando nós convencidos de que um determinado modo de pensar é o melhor, o Senhor nos sugere que é melhor ceder nas próprias ideias, é melhor o menos perfeito, mas de acordo com os outros, do que o mais perfeito em desacordo – contanto que seja salva a caridade com todos.
E este “dobrar-se para não romper” é uma das características, talvez dolorosas, mas também mais eficazes e abençoadas por Deus, que mantém a unidade segundo o pensamento mais autêntico de Cristo, e consequentemente sabe apreciar o seu valor1.
“Assim, livre em relação a todos, eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível.”
A experiência do cardeal vietnamita François van Thuân, que passou treze anos preso, nove deles em isolamento total, testemunha que, quando o amor é verdadeiro e desinteressado, também obtém como resposta o amor. Durante a sua prisão, ele ficou sendo vigiado por cinco guardas, mas os superiores decidiram substituí-los a cada quinze dias por outro grupo, porque estavam sendo “contaminados” pelo bispo. No final decidiram deixar sempre os mesmos, senão ele acabaria “contaminando” todos os guardas da prisão. O próprio cardeal conta: No início, os guardas não falavam comigo. Só respondiam sim e não. […] Uma noite me veio um pensamento: “François, você ainda é muito rico, você tem o amor de Jesus em seu coração; ame-os como Jesus amou você”. No dia seguinte, comecei a querê-los bem ainda mais, a amar Jesus neles, sorrindo, trocando palavras gentis com eles. […] Pouco a pouco nos tornamos amigos.2 Na prisão, com a ajuda de seus carcereiros, ele fez a cruz peitoral que usaria até a morte, símbolo da amizade nascida com eles: pequenos pedaços de madeira e uma correntinha de ferro.
1) LUBICH, Chiara. L’arte di amare, Roma: Città Nuova, 2005, pp. 120-121 (tradução nossa).
2) François-Xavier Nguyễn Văn Thuận. Testimoni della speranza, Roma: Città Nuova, 2000, p. 98. Nascido em 1928 em uma família católica, ele morreu em Roma, em 2002. No dia 15 de agosto de 1975, pouco depois de ter sido nomeado arcebispo coadjutor de Saigon pelo Papa Paulo VI, ele foi preso pelas autoridades vietnamitas. Assim, começou sua atribulada jornada, que durou treze anos, entre prisão domiciliar, celas de isolamento, campos de reeducação e torturas de todo tipo, constantemente iluminado por uma esperança inabalável.