Professora, doutora em Educação pela UFRJ e focolarina utiliza Dado da Paz e Time Out como ferramentas pedagógicas

Professora, doutora em Educação pela UFRJ e focolarina utiliza Dado da Paz e Time Out como ferramentas pedagógicas

Entrevista com Glaucya Lino.

Os alunos de 9 anos da professora e focolarina Glaucya Lino já sabem que, quando o despertador toca às 12h, é hora do minuto de silêncio. Esse é um dos exercícios propostos pela educadora, mestre em Educação para a Paz e doutora em Autoridade e Afetividade na Filosofia da Educação de Chiara Lubich. A atividade consiste em um breve intervalo de silêncio para que as crianças reflitam sobre ações cotidianas nas quais podem ser pontos de paz. Essas e outras ferramentas utilizadas por Glaucya são propostas do projeto Living Peace, um percurso de educação para a paz.

A seguir, você confere a entrevista completa concedida pela doutora à nossa equipe de jornalistas.

1) Como começou a aplicar essas ferramentas do Living Peace com os alunos?

Professora Glaucya Lino. Foto: Arquivo Pessoal.
Professora Glaucya Lino. Foto: Arquivo Pessoal.

Faço parte do Living Peace há mais de 10 anos e leciono há quase 30. Mas tudo começou quando eu morava no Pará, em uma escola que enfrentava uma realidade de intensa violência, a ponto de termos policiamento dentro do ambiente escolar. Foi lá que decidi iniciar um projeto de Educação para a Paz, embora não tenha permanecido muito tempo. Ao deixar essa escola, prometi a mim mesma que faria de tudo para promover a paz no ambiente escolar não de forma pontual, mas sim sistemática.

Ainda no Pará, percebi que precisava aprofundar meus estudos sobre o papel de Chiara Lubich – minha referência como professora e como pessoa – na promoção da paz. Queria atuar com mais consciência e embasamento. Foi então que vim para o Rio de Janeiro cursar o mestrado e consegui trabalho em uma escola localizada, mais uma vez, em uma área de risco. Ali, as primeiras ferramentas que utilizei foram o Dado da Paz, também conhecido como Dado do Amor, e o Time Out, que nasceu como uma oração, mas foi adaptado para ser usado dentro do ambiente escolar.

Chiara sempre nos disse que é importante registrar as experiências. Então, refleti sobre como fazer isso fora do Movimento dos Focolares e encontrei no diário uma porta de entrada!

2) E as crianças acolheram bem a ideia? Como funcionava esse diário?

Sim, acolheram super bem! O diário se chama Vivendo a Paz na Escola e trabalhamos com duas versões: uma para crianças mais novas, até o 2º ano, e outra para as mais velhas, até o 5º ano.

Para as crianças menores, a folha tem um espaço em destaque para que elas desenhem suas experiências pela paz e um espaço menor para que a professora — ou a própria criança, se já estiver iniciando a escrita — registre o acontecimento em palavras. É interessante perceber como elas sentem vontade de registrar o que viveram. Assim, o diário também se torna um incentivo à escrita.

Para os mais velhos, há a opção de marcar qual frase do Dado da Paz foi vivida, e o espaço principal é destinado ao relato por escrito. Ao final, se quiserem, ainda podem fazer um desenho sobre o que escreveram.

No início, o diário era exclusivo da minha turma. Depois, fomos apresentando a ideia às demais turmas e outras professoras passaram a apoiar a proposta. Começamos, então, a circular o diário por toda a escola. No entanto, meus alunos começaram a sentir falta do diário em sala e perguntaram se poderiam ter um só para a turma. Essa autonomia deles transformou nosso processo!

Hoje, o diário fica na minha sala, e próximo à sala da Direção fica o “Correio da Paz”: uma caixa de arquivo adaptada com os dois modelos de folha. A criança pega a folha, preenche e deposita na caixa para que minha turma recolha e cole no diário.

3) Então você contou com o apoio dos docentes e da equipe escolar? Sempre foi assim?

Como comentei, já são quase 30 anos de profissão, e nesse percurso vivi de tudo. Já ouvi frases como: “Você não é assistente social, isso é responsabilidade da família, você está perdendo tempo”. Mas, por outro lado, também encontrei muita acolhida.

A escola em que estou atualmente já possui essa missão de promover a paz. Então, além de acolhida, fui incentivada. A própria diretora me disse que enxerga reflexos desse estilo de ensino na primeira turma com a qual trabalhei, como um senso de cooperação mais forte entre os estudantes.

Percebemos que as crianças que vivenciam o Dado da Paz tornam-se mais colaborativas, amigas entre si, se ajudam – e isso fez parte da minha pesquisa. Essa vivência da Arte de Amar traz resultados concretos. E essa percepção não fica restrita aos professores; as famílias também sentem. É uma mudança sistêmica.

Acredito em uma educação que usa não apenas a cabeça, mas também o coração. E a Arte de Amar só vem a somar.

Leia também: Oficina do Dado da Paz ensina arte de amar para escoteiros no Distrito Federal

4) Você comentou que atualmente usa o diário, o Dado da Paz e o Time Out como ferramentas pedagógicas. Já explicou sobre o diário. Pode nos contar como aplica os outros dois?

O Dado da Paz já era uma ferramenta que eu usava em sala de aula. Eu convidava um aluno para jogar o dado e, em seguida, ele relacionava a frase sorteada com uma experiência de vida. Depois, começamos a visitar outras salas para apresentar o dado às demais turmas. A partir deste ano, estendemos essa prática para toda a escola: todas as segundas-feiras, os quase 500 alunos jogam o Dado coletivamente.

O Time Out, no contexto religioso, é uma oração. Quando o adaptamos para a sala de aula como ferramenta pedagógica, ele se transforma em um instante de silêncio no qual convido as crianças a refletirem sobre o que podem fazer pela paz. Não pense que é simples — é um exercício contínuo de autocontrole para elas. Mas é impressionante observar o comprometimento delas com esse momento.

Certa vez, estávamos em uma visita ao AquaRio, um aquário famoso do Rio de Janeiro, quando o despertador tocou… eram 12h! Mas não era o meu despertador: era um alarme que as próprias crianças programaram. Elas vieram correndo até mim e disseram: “Time Out, é hora do Time Out!”. Os guias não entenderam o que estava acontecendo, e eu expliquei: “Vamos interromper a visita por apenas um minuto, porque elas não vão continuar sem fazer o Time Out”. Paramos. E, ao final, elas celebraram: “Fizemos o Time Out embaixo d’água!!”. Imagina a alegria!

Em outro dia, em uma escola próxima a uma área com tiroteio, alguns alunos conseguiram ir embora com os pais, mas os que ficaram olharam para mim e disseram: “Vamos fazer o Time Out?”. Eu poderia ter recusado, mas acolhi o pedido. Fizemos o momento de silêncio, e depois conseguimos nos organizar melhor. Uma aluna me contou que, certa vez, às 23h, em casa, com medo por causa de um intenso tiroteio, lembrou que, em algum lugar do mundo, alguém também estaria fazendo o Time Out.

5) Qual é o maior desafio nesse processo de educar para a paz?

O maior desafio é ser o exemplo. É orientar no lugar de brigar. É construir com os alunos esse mundo novo. Nem sempre eu consigo. Nem sempre eles conseguem. Mas o importante é que estamos tentando, dia após dia, juntos.

Hoje, fico feliz por poder apresentar essas ferramentas pedagógicas em formações pelo Brasil e pelo mundo, quase que mensalmente. Nessas formações, trabalhamos com todos os adultos que convivem com as crianças, para que a paz seja vivida não para elas, mas com elas.

Acredito que essas ferramentas nos foram dadas para serem usadas de forma concreta, com o propósito de transformar. A educação é transformadora. Se não acreditarmos nisso, é melhor nem nos envolvermos com ela. Todo o meu trabalho se baseia nessa certeza.

Gostou de conhecer mais sobre o trabalho de Glaucya?

Continue acompanhando seu trabalho pelo perfil do Instagram @lino.glaucya e baixe aqui seu e-book gratuito “Educação sob o olhar de Chiara Lubich: Propostas pedagógicas”.

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