O dia 16 de julho de 1949 marcou época na história de Chiara Lubich e do grupo de companheiros e companheiras que se reuniam em torno dela. Em Tonadico di Primiero, nas Dolomitas, Chiara vive uma extraordinária experiência mística e iluminativa que lhe mostra as linhas fundamentais da Obra de Maria.
“O nosso Movimento havia nascido há cinco anos” – ele nasceu no final de 1943; até o ano de 1949, passaram-se 5 anos. “O nosso Movimento havia nascido há cinco anos e já tínhamos compreendido e assimilado alguns pontos fundamentais da sua espiritualidade, por exemplo, Deus Amor, a vontade de Deus, ver Jesus no irmão, o mandamento novo com o pacto, que vocês conhecem, “Jesus Abandonado” , que ajuda a resolver as faltas de unidade, “Jesus no meio, a unidade… Fazia algum tempo que estávamos concentrados” em outro ponto, “na Palavra de Vida”.
Tinha nascido a ideia da Palavra de vida. Ainda não existiam grandes estruturas do Movimento. Não havia os setores, as unidades gen, não havia nada, de modo que todo o nosso empenho consistia em viver o Evangelho. Foi um período extraordinário.
A Palavra de Deus penetrava uma a uma, pois a vivíamos por um certo período, tão profundamente em nós que transformava a nossa mentalidade. Sentíamos que esta nova mentalidade, não se conciliava com a mentalidade do mundo. Porém, ao mesmo tempo, nos reevangelizava, ocorria, na nossa alma, uma nova evangelização. Os primeiros focolarinos e focolarinas eram pequenos, jovens. Uma delas tinha 15 anos. Logo, eram como Davi diante de Golias, que era o mundo. Assim.
A intensidade com que vivíamos a Palavra nos levou a fazer uma experiência que nunca mais se repetiu no Movimento. E foi a seguinte: vivíamos uma frase: “Ama o teu próximo como a ti mesmo” ou “dai e vos será dado” ou “onde dois ou mais…”. Notávamos que, cada Palavra vivida, produzia o mesmo efeito. Fazia nascer em nós uma alegria plena, os frutos, as conversões; produzia os mesmos efeitos. Daí nos perguntamos: “Por que cada Palavra produz os mesmos efeitos?” Foi então que entendemos uma coisa: assim como na Hóstia santa – na Eucaristia – está Jesus por inteiro, também num seu fragmento Jesus está inteiramente presente, também no Evangelho Jesus está inteiramente presente, bem como em cada uma de suas Palavras. Visto que Jesus é amor, cada Palavra é amor. Então, as Palavras de Deus, embora sejam bem diferentes, como eu disse antes: “ama o teu próximo…”, “dai e vos será dado…”, “pedi e recebereis…”; são palavras diferentes, mas todas são amor, amor, amor. E nós, focolarinas, experimentávamos isso e, quando elas penetravam em nós, pegavam fogo, pareciam de fogo, pareciam amor!
Vocês não podem imaginar quanto os membros da Escola Abbá estudaram isso! Eles citam Santo Agostinho, que disse algo semelhante, e outro também. Isso demonstra que essas experiências são verdadeiras.
Descobrimos em cada Palavra de Deus a presença de Jesus – pois em cada parte Ele está presente –, a presença de Jesus na sua morte e ressurreição. Por quê? Por exemplo: Bem-aventurados os pobres de espírito – é a morte –, porque deles é o Reino dos Céus», é a vida. “Bem-aventurados os puros de coração – morte, mortificação – porque verão a Deus”, é a vida. Jesus estava presente em cada Palavra com a sua morte e ressurreição. Tudo isso nos levava à contemplação.
Estávamos imersos nestes pensamentos quando decidimos, porque estávamos um pouco cansadas, ir descansar num lugar de montanha.
Eu não contei isso. Antes de viajar para as montanhas, vimos um cartaz na rua com essa frase: «Na montanha vou arrebatar você». Essa frase nos impressionou, inclusive porque sabíamos – ou o soubemos depois – que às vezes Deus, por meio de sinais externos, dá uma mensagem importante. E podemos mesmo dizer que na montanha, de alguma forma, Deus nos arrebatou.
Lá, porém, antes que essas compreensões iniciassem, experimentamos algo novo. Esse fogo, que sentíamos dentro de nós, e foi só nessa época que o sentimos, pois foi um efeito dos primeiros tempos, incendiava tudo também fora de nós. Sobretudo eu via, e comunicava a todas as outras; víamos em todas as coisas da criação, assim como são: os gramados, as estrelas, o céu [florido], o riacho, Alguém que sustém tudo, uma luz que unia tudo. Era a presença de Deus na criação. E este Alguém, que unia tudo, era mais forte do que cada coisa em si. Eu explicava o que via e todas elas viam o mesmo.
Lembrei, quando eu ainda estava em casa, era jovem e dava aulas, que todos os dias costeava um riacho, chamado Férsina, voltando para a casa. No caminho, eu sempre recitava o terço, cantando as ave-marias. Eu caminhava beirando este riacho e nessa rua havia muitos castanheiros-da-índia. São árvores grandes, que dão uma flor que tende para o rosa. Um dia, enquanto recitava as ave-marias, parecia que de um castanheiro se desprendesse uma flor que vinha na minha direção. Ali tive a sensação de que aquela flor estava viva, mas não da vida física vegetal. Estava viva, pois Deus a animava. Esse algo, que vi naquela flor, vi depois em toda a criação. Esses já eram os precedentes que nos prepararam para entrar no Paraíso.
Vocês sabem que Foco foi passar um período conosco nas montanhas. Para quem não sabe. Foco era muito mais idoso do que eu e maduro. Estava no vigor da idade. Era uma pessoa excepcional. Foco escreveu cerca de 100 livros na sua vida. Era um político, foi um deputado no Parlamento, mas também era hagiógrafo, isto é, escreveu muitos livros sobre santos, mas também sobre a doutrina social cristã, católica. Era uma figura muito rica, um ecumenista. Ele trabalhava pelo ecumenismo antes do Ideal. Era um jornalista. Dirigia um dos jornais mais importantes do mundo católico da época.
Eu conheci Foco no Parlamento. Fui para lhe pedir um favor e ele pediu que eu contasse a minha história, o que era o Movimento. Eu contei e Foco ficou conquistado. Por isso, foi nos encontrar nas montanhas. Ele gostava muito de Santa Catarina de Sena, a grande santa que levou o Papa de volta para Roma. Ela morreu aos 33 anos. Teve graças extraordinárias e muitos discípulos, cardeais, chefes de Estado e não só na sua cidade que era Sena. Ela tinha muitos discípulos. O que eles faziam? Diziam, pois sentiam que Catarina era uma pessoa de Deus: “Nós queremos nos unir a você estreitamente. Queremos estar perto de você, por isso lhe faremos um voto de obediência, pois você nos dirá qual é a vontade de Deus”.
Foco gostava dessa ideia. E durante a sua vida ele procurou uma virgem que lhe representasse aquilo que Santa Catarina foi para a sua época. Foco pensou em encontrá-la entre nós. Por isso, a certa altura, ele me fez essa proposta: “Chiara, eu quero fazer a você um voto de obediência. Nós dois podemos nos santificar juntos como São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal”. Notei que Foco era movido por uma graça especial de Deus. Porém, essa ideia me soava meio estranha, pois não pensávamos nos votos ainda. Uma santidade a dois não era a minha vocação, pois eu almejava o que “todos sejam um”, todos, todos.
Então eu disse: “Foco, provavelmente você é movido por uma graça. Porém, não sinto uma ressonância em mim. Eu não quero uma unidade a dois. Eu… todos. Podemos fazer assim. Você quer me fazer um voto. Façamos assim: vamos à igreja amanhã e diante de Jesus Eucaristia digamos o seguinte… Você sabe Foco que estamos vivendo a Palavra de vida que se refere à Jesus abandonado, que se fez nada. Eu desejo ser esse nada para amar o próximo. Ser o nada para fazer a vontade de Deus. Também você deseja seguir o Movimento. Também você é nada, nada. Amanhã de manhã, na missa, digamos a Jesus Eucaristia, que entrará no meu coração e no seu, que é o mesmo Cristo: “Sobre o nosso nada, una-nos como você deseja”.
Na manhã seguinte fomos à missa. Foco também foi e no momento do agradecimento, após a Comunhão, eu disse: “Jesus, eu sou nada. Foco é nada. Sobre o meu nada você vive. Una-se com você mesmo em Foco e realize aquela unidade que devemos viver entre nós”. Fizemos assim e saímos da igreja. A seguir, Foco teve que entrar de novo para dar uma conferência aos frades. A igreja era dos frades e eu fiquei fora, mas pensei: “Vou esperar Foco dentro da igreja”. Eu me ajoelhei diante do sacrário e estava para dizer a palavra: “Jesus”, mas não consegui. Aquele Jesus que estava no sacrário, estava também dentro de mim. Estava aqui. Eu sentia que eu não era eu. Jesus com aquela comunhão me transformou em si. E é exatamente esta a função da Eucaristia. Não é Jesus que se transforma em nós, somos nós que nos transformamos nele ao comungarmos.
Então, saiu da minha boca a palavra: “Abbá, Pai”. Aquele Jesus, que estava em mim, se dirigia ao Pai, como [faz sempre] fazia sempre. Eu tive a nítida impressão de que o Espírito Santo inspirou-me aquela palavra. Naquele momento, vi abrir-se completamente algo cósmico, imenso! Era tudo luz, era tudo ouro, era tudo chamas. Eu estava só, com Foco. Éramos Jesus, nos tornáramos Jesus. Era imenso, mas eu não me sentia sozinha. Entendi que tinha entrado em Deus. Jesus está sempre lá e, visto que me tornei Jesus, entrei em Deus, no seio do Pai.
Eu dizia que era imenso, mas não me sentia sozinha. Eu estava em casa. Eu tinha chegado em casa.