O livro dos Atos dos Apóstolos, escrito pelo evangelista Lucas, começa com a promessa que Jesus Ressuscitado faz aos apóstolos pouco antes de deixá-los para voltar definitivamente ao Pai: eles receberão do próprio Deus a força necessária para continuar na história humana o anúncio e a construção do Seu Reino.
Não se trata de promover um “golpe de estado”, de criar antagonismo entre poderes políticos ou sociais. Trata-se, muito mais, da ação profunda do Espírito de Deus, acolhido nos corações: Ele cria “homens novos”.
Poucos dias depois, o Espírito Santo haveria de descer sobre os discípulos reunidos com Maria, e eles, partindo da cidade santa de Jerusalém, difundiriam a mensagem de Jesus até “os confins da terra”.
“Recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas.”
Os apóstolos, e com eles todos os discípulos de Jesus, são enviados como “testemunhas”.
De fato: quando qualquer cristão descobre por meio de Jesus o que significa ser filho de Deus, descobre também sua condição de enviado. Nossa vocação e nossa identidade de filhos se realizam na missão, no fato de irmos ao encontro dos outros como irmãos. Todos somos chamados a ser apóstolos que testemunham com a vida e, depois, se for o caso, com as palavras.
Somos testemunhas quando assumimos o estilo de vida de Jesus, ou seja, no dia a dia do nosso ambiente de família, de trabalho, de estudo e de lazer, quando nos relacionamos com espírito de acolhida e partilha com as pessoas que encontramos, mas trazendo no coração o grande projeto do Pai: a fraternidade universal.
É o que nos contam Marilena e Silvano, italianos:
Quando nos casamos, queríamos ser uma família aberta a todos. Uma das primeiras experiências que fizemos foi no período antes do Natal. Como não queríamos que os cumprimentos se resumissem apenas em apressados votos de boas festas na saída da igreja, tivemos a ideia de irmos às casas dos nossos vizinhos, levando um pequeno presente. Todos ficaram surpresos e contentes, sobretudo uma família que muitos procuravam evitar. Abriram o coração para nós, falando-nos de suas dificuldades e do fato de que há muitos anos ninguém mais tinha ido à casa deles. A visita durou mais de duas horas e ficamos comovidos de ver a alegria daquelas pessoas. Assim, aos poucos, com o único esforço de estarmos abertos a todos, estabelecemos relacionamentos com muitas pessoas. Nem sempre foi fácil, porque, por exemplo, uma visita imprevista podia mudar nossos programas. Mas sempre nos lembrávamos de que não podíamos perder essas ocasiões de relacionamentos fraternos. Uma vez ganhamos de presente um bolo e pensamos em reparti-lo com uma senhora que nos tinha ajudado a conseguir brinquedos para crianças do Brasil. Ela ficou feliz com essa nossa iniciativa, e para nós foi a ocasião de conhecermos a família dela. Quando estávamos para nos despedir, ela disse: Quem me dera que eu também tivesse essa coragem de visitar os outros!
“Recebereis o poder do Espírito Santo que virá sobre vós, para serdes minhas testemunhas.”
Todos os cristãos receberam o dom do Espírito Santo com o batismo, mas Ele fala também na consciência de todas as pessoas que procuram sinceramente o bem e a verdade. Por isso, todos nós podemos abrir espaço para o Espírito de Deus e deixar que Ele nos guie.
De que modo é possível reconhecê-lo e escutá-lo? Este pensamento de Chiara Lubich pode nos ajudar:
(…) O Espírito Santo mora em nós como no seu templo e nos ilumina e nos guia. É o Espírito da Verdade que faz compreender as palavras de Jesus, que as torna vivas e atuais, que nos apaixona pela Sabedoria, que sugere aquilo que devemos dizer e como devemos dizê-lo. É o Espírito de Amor que nos inflama com o seu mesmo amor, que nos torna capazes de amar a Deus com todo o coração, a alma, as forças, e de amar a todos aqueles que encontramos pelo nosso caminho. É o Espírito de fortaleza que nos dá a coragem e a força de sermos coerentes com o Evangelho e de testemunharmos sempre a verdade. (…) Com esse amor de Deus no coração, e por meio dele, pode-se chegar bem longe, comunicando a própria descoberta a muitas outras pessoas: (…) os “confins da terra” não são apenas os limites geográficos. Eles também indicam, por exemplo, pessoas próximas a nós que ainda não tiveram a alegria de conhecer realmente o Evangelho. Até aí deve estender-se o nosso testemunho. Outra exigência é “nos fazermos um” com cada pessoa, por amor de Jesus – o que supõe o completo esquecimento de si –, até que o outro, suavemente tocado pelo amor de Deus em nós, queira “fazer-se um” conosco, numa troca mútua de auxílios, de ideais, de projetos, de afetos. Somente então poderemos oferecer a palavra, e ela será um dom, na reciprocidade do amor.1
Letizia Magri
1) Chiara Lubich, Na força do Espírito, revista Cidade Nova, junho de 2003.