O evangelista Lucas gosta de enfatizar a grandeza do amor de Deus mediante uma qualidade que certamente lhe parece descrever ao máximo essa grandeza: a misericórdia.
Na Sagrada Escritura, a misericórdia é, por assim dizer, a nuance materna do amor de Deus. É com esse amor materno que Ele cuida de suas criaturas, lhes dá alívio e conforto, consolo, acolhida, sem nunca se cansar. Pela boca do profeta Isaías, o Senhor promete ao seu povo: “Como a mãe que consola um filho, assim eu vos consolarei, e é em Jerusalém que sereis consolados”.[1]
Esse é um atributo reconhecido e proclamado também pelo islamismo: entre os 99 Nomes ou Atributos de Deus, aqueles que voltam com mais frequência aos lábios do fiel muçulmano são “o Misericordioso” e “o Clemente”.
Esta página do Evangelho nos apresenta Jesus diante de uma multidão, com pessoas vindas de cidades e de regiões até mesmo distantes, fazendo a todos uma proposta ousada, desconcertante: imitar Deus, o Pai, justamente no amor de misericórdia.
Um objetivo que, para nós, parece quase inimaginável, impossível de atingir!
“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso.”
De acordo com a perspectiva do Evangelho, para imitar o Pai devemos antes de tudo nos colocar todos os dias no seguimento de Jesus e aprender com Ele a tomar a iniciativa no amor, tal como o próprio Deus faz conosco sem cessar.
É essa a experiência espiritual descrita pelo teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer (1906- 1945): Todos os dias a comunidade cristã canta: “Recebi misericórdia”. Recebi esse dom até mesmo quando fechei meu coração a Deus; […] quando me perdi e não encontrei o caminho de volta. Então, foi a palavra do Senhor que veio ao meu encontro. Então compreendi: Ele me ama. Jesus me encontrou: Ele esteve perto de mim, somente Ele. Foi Ele que me consolou, perdoou todos os meus erros e não me acusou do mal. Quando eu era seu inimigo e não respeitava os seus mandamentos, Ele me tratou como um amigo. […] Tenho dificuldade em compreender por que é que o Senhor me ama tanto, por que é que sou tão precioso para Ele. Não consigo compreender como Ele conseguiu e por que quis conquistar o meu coração com o seu amor. Só posso dizer: “Recebi misericórdia”.[2]
“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso.”
Essa frase do Evangelho nos convida a uma verdadeira revolução em nossas vidas: toda vez que somos confrontados com uma possível ofensa, em vez de seguir o caminho da rejeição, do julgamento inapelável e da vingança, podemos escolher o caminho do perdão, da misericórdia.
Não se trata tanto de cumprir uma obrigação difícil, mas sim de acolher a possibilidade oferecida por Jesus: passar da morte, do egoísmo, para a vida verdadeira, a vida de comunhão. Descobriremos com alegria que recebemos o mesmo DNA do Pai, que não condena ninguém definitivamente, mas dá a todos uma segunda oportunidade, abrindo horizontes de esperança.
Essa tomada de posição também nos permitirá preparar o terreno para relações fraternas, das quais pode nascer e se desenvolver uma comunidade humana finalmente orientada à convivência pacífica e construtiva.
“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso.”
Foi isso que Chiara Lubich sugeriu, meditando a frase do Evangelho de Mateus[3] que proclama a bem-aventurança daqueles que praticam a misericórdia: O tema da misericórdia e do perdão permeia todo o Evangelho. […] E a misericórdia é justamente a máxima expressão do amor, da caridade: é ela que leva a caridade à plenitude, ou seja, que a torna perfeita. […] Em todos os nossos relacionamentos procuremos, portanto, viver esse amor pelos outros sob a forma de misericórdia! A misericórdia é um amor que sabe acolher todo e qualquer próximo, sobretudo o mais pobre e necessitado. É um amor que não mede, mas é abundante, universal, concreto. Um amor que procura suscitar a reciprocidade, objetivo principal da misericórdia. E sem a misericórdia existiria apenas a justiça, que serve para criar igualdade, mas não fraternidade. […] Embora pareça difícil e ousado, perguntemo-nos, diante de cada próximo: como é que a mãe dele o trataria? Este é um pensamento que nos ajudará a entender e a viver em conformidade com o coração de Deus.[4]
Letizia Magri
[1] Cf. Is 66,13
[2] Dietrich Bonhoeffer. 23.01.1938. La fragilità del male. Coletânea de escritos inéditos. Piemme, 2015
[3] Cf. Mt 5,7: Bem-aventurados os misericordiosos, pois eles alcançarão misericórdia.
[4] LUBICH, Chiara. Um amor materno. Palavra de Vida, novembro de 2000