De acordo com o relato de Lucas, Jesus, depois de anunciar aos seus discípulos as bem-aventuranças, lançou o seu revolucionário convite de amar todo ser humano como a um irmão, até mesmo quando ele dá provas de ser um inimigo.
Jesus sabe muito bem o porquê e nos explica: somos irmãos porque temos um único Pai, que sempre se interessa pelos seus filhos.
Ele quer se comunicar conosco. Ele chama nossa atenção diante de nossas responsabilidades, mas ao mesmo tempo seu amor é um amor dedicado, que cura, que alimenta: uma atitude materna, cheia de compaixão e ternura.
Essa é a misericórdia de Deus, que se dirige pessoalmente a cada criatura humana com todas as suas fragilidades. Ainda mais: Ele dá preferência a quem se encontra à margem do caminho, excluído e rejeitado.
A misericórdia é um amor que plenifica o coração e depois transborda sobre os outros, sobre os vizinhos de casa tanto quanto sobre os estranhos, sobre a sociedade ao redor.
Sendo filhos desse Deus, podemos nos assemelhar a Ele naquilo que o caracteriza: o amor, a acolhida, a paciência de esperar pelo outro.
“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso.”
Infelizmente na nossa vida pessoal e social respiramos uma atmosfera de crescente hostilidade e competição, de suspeita mútua, de julgamento sem apelação, de medo do outro; os rancores se acumulam e conduzem aos conflitos e às guerras.
Como cristãos podemos dar um decidido testemunho contracorrente: podemos fazer um ato de libertação de nós mesmos e dos condicionamentos, e começar a reconstruir os laços feridos ou rompidos na família, no próprio trabalho, na comunidade paroquial, no partido político.
Se nós fizemos alguém sofrer, peçamos corajosamente perdão e retomemos a caminhada. É um ato de grande dignidade.
E se alguém nos tiver realmente ofendido, procuremos perdoá-lo, abrir-lhe um novo espaço no coração, dando-lhe assim a possibilidade de curar a ferida.
Mas, o que é o perdão?
O perdão não é esquecimento (…), não é fraqueza, (…) não consiste em afirmar que não tem importância aquilo que é grave, ou bom aquilo que é mau, (…) não é indiferença. O perdão é um ato de vontade e de lucidez, portanto de liberdade, que consiste em acolher o irmão tal como ele é, apesar do mal que nos fez, assim como Deus acolhe a nós, pecadores, apesar dos nossos defeitos. O perdão consiste em não revidar a ofensa com a ofensa, mas em fazer o que diz Paulo: “Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem”(1 +2)
Ninguém consegue improvisar essa abertura do coração. É uma conquista diária, um crescimento constante na nossa identidade de filhos de Deus.
É sobretudo um dom do Pai, que podemos e devemos pedir a Ele mesmo.
“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso.”
Uma jovem das Filipinas conta:
Eu tinha apenas onze anos quando meu pai foi morto; mas não foi feita justiça porque éramos pobres. Quando chegou o momento de escolher a profissão, cursei Direito no desejo de buscar justiça pela morte de meu pai. Mas Deus tinha outro plano para mim: uma colega me convidou para um encontro de pessoas empenhadas seriamente em viver o Evangelho. Então também eu comecei a viver assim.
Um dia pedi a Jesus que me ensinasse a viver concretamente a sua palavra: “Amai os vossos inimigos” (3), porque eu sentia que o ódio pelas pessoas que tinham assassinado meu pai ainda me dominava. No dia seguinte, no trabalho, encontrei o líder daquele grupo. Cumprimentei-o com um sorriso e lhe perguntei como estava a sua família. Essa saudação o deixou desconcertado; e eu, ainda mais desconcertada fiquei diante do que tinha acabado de fazer.
O ódio dentro de mim estava se dissolvendo, transformando-se em amor. Mas aquilo tinha sido apenas o primeiro passo: o amor é criativo! Imaginei que cada membro do grupo deveria receber o nosso perdão. Fui procurar um por um, junto com meu irmão, para restabelecer o nosso relacionamento e testemunhar diante deles que Deus os ama! Um deles nos pediu perdão pelo que tinha feito, pedindo ainda orações para si e para sua família.
Letizia Magri
1) Cf. Rm 12,21
2) Cf. C. Lubich, Costruire sulla roccia, Città Nuova: Roma 19934, p. 56.
3) Cf. Mt 5,44; Lc 6,27.