Vacina sim
O estudo VacinaKids, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), aponta que mais de 80% dos pais, mães e responsáveis querem vacinar os filhos contra a Covid-19. A pesquisa, que contou com 15.297 participantes de todo o Brasil (cerca de 70,55% da região Sudeste, 11,13% da região Sul, 8,27% da região Nordeste, 7,6% da região Centro-Oeste e 2,4% da região Norte) aponta também a hesitação de 16,4% de pais de crianças entre zero e quatro anos, 14,9% de pais de adolescentes e 12,8% de pais de crianças entre cinco e 11 anos.
É o caso de uma das mães entrevistadas no Ambulatório da Criança, que não quis se identificar. “Estou com medo, não vou negar. Tenho medo de dar uma reação e ainda eu ser culpada de ele ter tomado essa vacina. Ouvi falar que uma criança teve parada cardíaca depois da vacina”, disse a responsável por um menino de dez anos com comorbidade.
O medo da guarulhense está sustentado em dois pontos já esclarecidos e até criticados pela sociedade científica. Sobre a “parada cardíaca”, o IFF/Fiocruz apontou que a ocorrência de miocardite (que pode levar à parada cardíaca) pós-vacinal, a partir da experiência de vacinação nos Estados Unidos, mostra que este é um evento raríssimo e que quando ocorre tende a ter uma evolução satisfatória. “No relatório do CDC – EUA [uma espécie de Anvisa americana] foram observados 11 casos de miocardite em 8,7 milhões de doses aplicadas da vacina na faixa etária de cinco a 11 anos nos Estados Unidos, todos com evolução favorável”, esclarece a pesquisadora e pediatra do IFF/Fiocruz, Daniella Moore.
“Proporcionar a vacinação desse grupo contra a Covid-19 é uma oportunidade para conter o vírus, fortalecer a imunidade de rebanho, aumentar a segurança do retorno escolar presencial e, o mais importante, proteger crianças e adolescentes”, destaca Daniella.
Outro tema que traz insegurança às famílias é a inédita “obrigatoriedade” da assinatura de um termo de assentimento livre e esclarecido para a vacinação de jovens de cinco a 11 anos, e isso acontece em Guarulhos por orientação do Ministério da Saúde.
“Proporcionar a vacinação desse grupo contra a Covid-19 é uma oportunidade para conter o vírus, fortalecer a imunidade de rebanho, aumentar a segurança do retorno escolar presencial e, o mais importante, proteger crianças e adolescentes”, afirma Daniela Moore, da IFF/Fio Cruz (Foto: Karla Maria)
Campanhas e Movimentos em defesa da vacinação
Em entrevista à jornalista Cléo Nascimento, da Agência SIGNIS, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, lamentou o descrédito conferido à vacinação no país. “O Brasil tem um histórico bonito de erradicação de doenças por meio da vacinação. No entanto, nós vemos agora crescer a rejeição às vacinas, numa atitude sem justificativa alguma. Isso abala a confiança das pessoas e gera muitas incertezas”, disse o bispo.
A médica Margarete Barbosa Daldegan concorda. Ela é hematologista, trabalha no hospital regional da Asa Norte em Brasília (DF) e é membro do Movimento dos Focolares no Brasil. Viu e sentiu de perto o impacto do enfrentamento à Covid-19 sem vacinas. “Nós tivemos dois anos de Covid e hospitais cheios nesse período. Foram cenas muito fortes pra quem acompanhava. Vimos os hospitais lotados na primeira e na segunda onda, e estamos absolutamente convictos de que a vacina é essencial pra combater a doença”, conta a médica lembrando a situação de gestantes que à beira da morte eram submetidas a cesáreas para salvar seus bebês.
“São 24 vacinas que existem no portfólio do sistema de imunização brasileira e, por muito tempo, as famílias se sentiram amparadas na vacinação. Na verdade, a maioria ainda se sente confortável de estar num país que tem essa tradição, mas curiosamente nós vemos pessoas de classe média, classe média alta, absolutamente confusas diante da necessidade de vacinar”.
Para a médica, há pessoas que deliberadamente assumem um comportamento maléfico. “E a sociedade tão tonta, tão esmagada pela dor de ter perdido muitos parentes, não consegue se acalmar para entender de fato a quem deve ouvir”. Para ela, é o momento de cristãos, gente de paróquia e comunidades assumirem o compromisso com a verdade e defenderem a vacinação das crianças.
“Muitos cristãos, exatamente por não terem uma bagagem suficiente pra saberem quando estão sendo manipulados, tornam-se presa fácil de alguém que defende uma religiosidade, uma moral a todo custo que não é bem aquilo que Jesus falou […] Temos o dever de fazer as pessoas se conscientizarem de quanto o nosso SUS tem sido vilipendiado, de quanto as verbas têm sido reduzidas […] Então, eu convido as famílias a acalmarem seus corações e se perguntarem em qual informação estão acreditando”.
Um grupo do Movimento dos Focolares, em parceria com o coletivo ReUniR, está em Campanha em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e da vacinação contra a Covid-19. E não é de hoje. José Portella, que também é dos Focolares e membro do Conselho de Saúde de São Paulo, atua há três anos em uma Unidade Básica de Saúde no Butantã, na zona oeste da capital paulista. Ele conhece de perto o impacto da má gestão dos recursos públicos, já que no conselho atua também como uma espécie de fiscal e gestor voluntário. “Temos vivido uma batalha muito grande, porque os recursos de sustentabilidade do SUS estão comprometidos, então há problemas como falta de medicação”.
Portella preocupa-se também com a onda antivacina que vem encontrando terreno fértil no país. “Há uns quatro ou cinco anos vemos pessoas falando contra as vacinas. Houve certo descrédito, e a Covid chegou no auge de um negacionismo e de uma campanha que é feita pelo próprio governo federal; então, isso ficou muito mais difícil”, avalia.
É a partir dessa percepção que esse grupo do Movimento dos Focolares no Brasil também se põe em defesa das vacinas. “Era e é importante pra nós a questão da vacinação para todos”, disse o focolarino que trabalha com sistema de dados e também falou sobre o “apagão” na base de dados do Ministério da Saúde e sobre o impacto disso para a saúde pública.
“O movimento que estamos atravessando é bastante nebuloso para o Brasil, sobretudo na questão da desinformação. O fato de não termos confiança no banco de dados do próprio Ministério da Saúde é muito sério e isso fragiliza as políticas públicas, porque é a partir dos dados que você recolhe informações e consegue fazer um planejamento de atendimento às situações mais graves ou mais vulneráveis. É só a partir disso que é possível fazer correções na política pública. A impressão que a gente tem é que estamos combatendo uma situação muito difícil no escuro”.
Campanha da Pastoral da Criança
É neste cenário de horizontes duvidosos que a Pastoral da Criança surge para recompor cada coisa em seu lugar. De modo discreto, a Pastoral vem como de costume fazendo um trabalho de formiguinha contra as fake news e “informações populares incorretas que circulam por grupos de WhatsApp”, como ela mesma cita.
Em seu site institucional, a pastoral possibilita materiais de informação sobre a Covid-19 tentando conscientizar seu exército de voluntários pelo país e as famílias que esses atendem. (Confira: https://www.pastoraldacrianca.org.br/etapa?tid=102&lang=pt_BR)
Em artigo publicado em 21 de janeiro, a Pastoral da Criança deixou explícita sua postura em defesa da vacinação de crianças. “A vacinação de crianças a partir dos cinco anos já está aprovada pela Anvisa desde dezembro, acompanhando a comunidade científica de todo o mundo, que já demonstrou a importância de vacinar as crianças contra a Covid”.
E continua: “A Pastoral da Criança acredita na ciência e reforça a importância de todos continuarem com os cuidados necessários para evitar a Covid-19 e aderirem à campanha de vacinação quando chegar a sua vez e a de suas crianças. Dessa maneira, estaremos protegidos e protegeremos as pessoas ao nosso redor!”.
Zilda Arns (1934-2010), fundadora da Pastoral, foi uma das pioneiras na luta pela vacinação das crianças no Brasil. Ela foi a idealizadora da primeira campanha nacional de vacinação contra a poliomielite, em 1980. Com sua ausência, após sua morte em missão no Haiti, e a de outras lideranças que tenham a capacidade de mobilizar para imunizar, resta a cada um de nós assumir tal missão em defesa da vida e, portanto, da vacinação.
Seremos, como disse dom Moacyr Grechi (1936-2019) em um dia de 2009 durante o 12º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, em Porto Velho (RO), “gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares pouco importantes, conseguindo mudanças extraordinárias”*.
*Provérbio africano de autoria desconhecida
Autora: Karla Maria
Matéria originalmente divulgada pela Agência de Notícias Signis.
Foto de capa: Vacinação infantil contra Covid-19: há pais ainda influenciados pela desinformação (foto por Karla Maria ). Site da Agência de Notícias Signis.